quarta-feira, 12 de maio de 2010

ESPÍRITO DA ALMA - BRASIL & BRASÍLIA

Cena 01 – (Palco escuro. No centro um casal amarrados juntos um de costas para o outro, sentados. Pode haver coisas jogadas, jornais, revistas abertas no chão roupas espalhadas, malas, cadeira virada, um abajur, os dois ofegantes, o blecaute continua. De repente as luzes acendem todas rapidamente, eles se assustam, blecaute outra vez. )

Brasil (Nervoso.) – Falei que esse apagão é culpa sua.
Brasília (indignada.) – Culpa Minha??? Que audácia de você Brasil, tudo que acontece em sua vida é culpa minha.
Brasil – E não é? Desde que nos unimos minha vida virou uma farra do homem louco, tudo acontece, aliás, nem o que era para acontecer, sempre acontece comigo.
Brasília – Olha sua vida era complicada antes da nossa união, você nunca teve uma vida mansa que eu sei. Por isso não coloque suas frustrações em cima de mim.
Brasil – Você pagou as últimas contas de luz? Brasília você gasta com tudo menos o que é necessário a nossa sobrevivência.
Brasília – Você pensa pequeno só nas migalhas eu penso longe no progresso, no futuro, tenho que investir big, nada de ser little!
Brasil – Seu big nos deixou em uma little situação escura... (Um foco de luz acende em cima do casal.)
Brasília – Graças agora só falta nós conseguirmos nos desamarrar dessa corda...
Brasil – Como eu não sei, mas não vejo a hora de me livrar de você, dessa sua elegância fake.
Brasília – Fake? Quem é mais fake aqui? Olha Brasil não sou eu que fico de pijama no domingo lendo jornal e depois vai comer pastel na feira, que é isso, fala tanto em estar bem, ser bem posicionado. Quem quer posição meu filho não come pastel de feira...
Brasil – Ah tá! E você come lagosta, caviar, salmão, mas sempre tá pedindo dinheiro emprestado, sempre mendigando com sua visão big.
Brasília – Pelo menos eu entro na social com a galera de cima, não fico com os jogadores de várzea, fico com os times da elite.
Brasil (Irritado.) – Vamos levantar... (Ele começa a forçar para levantarem.)
Brasília (Reclama.) – Pera aí Brasil, agora quer arrancar de vez depois de ficar tanto tempo no marasmo esperando um milagre...
Brasil – Para com teu discurso de oposição e vê se trabalha ao nosso favor. (Os dois fazem força, escorregam, caem no chão.)
Brasília – Mas nem com ajuda tu vai né Brasil.
Brasil – E você com essa pompa toda consegue o quê? Tá tão atolada quanto eu. Vamos lá vamos contar até três e aí a gente levanta.
Juntos – Um, dois, três... (Eles fazem força empurram os corpos para cima e ficam em pé.)
Brasília – Agora vamos andar...
Brasil – E achar alguma coisa para cortar essa corda. (Os dois tentam andar em direções opostas e se puxam contrariamente.)
Brasília – Oh meu que isso? Tem que vir do meu lado...
Brasil – Oh meu que é isso digo eu... Tá cega tem que vir na minha direção...
Brasília – Por que sua direção é correta e a minha não?
Brasil – Porque sou mais velho tenho mais experiência e sei quais nossas necessidades e onde achar o que pode nos livrar dessa enrascada.
Brasília – E eu tenho que confiar em você? Ah mas assim é fácil ter uma mulher cordeirinho que segue seus passos. Comigo não eu tenho tutano, penso, sei onde quero chegar...
Brasil – Você já me mostrou aonde quer chegar... Por isso estamos nessa vida, roubados, mal pagos, esquecidos, sem uma direção certa, só apostando ali, aqui, uma hora parece que vai, mas logo depois desce barranco abaixo. É golpe aqui, golpe lá, festas, altas regalias e na verdade não temos nada.
Brasília – Você reclama de barriga cheia porque se não fosse eu você não teria nem o que comer, beber, se vestir, eu sou a mola mestra desta casa...
Brasil – Mola mestra??? E quem dá duro, quem faz todo trabalho pesado, quem acorda cedo, quem fica doente, mas vai trabalhar porque se não fica na rua, quem fica de olho nas coisas burras que você faz para tentar consertar antes que algo terrível nos alcance...
Brasília – Sei dá duro, você é o cara mas molengão que já vi, e só ter um futebol na Tv que para de viver para ficar lá de olho em um monte de homens correndo atrás de uma bola, isso dá até suspeita sobre sua masculinidade, fica gritando os nomes dos jogadores, sei não...
Brasil – Isso é inveja sua Brasília é o único momento de felicidade que eu tenho e que você nem sabe bem o que é felicidade, nem um joguinho te faz feliz... Deve estar toda recalcada de sentimentos.
Brasília – Olha desde que casei com você meus recalques aumentaram muito, nunca tenho apoio sempre lutando sozinha, só ouvindo críticas, xingamentos, você não é fácil Brasil.
Brasil – E por acaso você é Brasília??? Francamente que burrice a minha concordar que você fizesse parte da minha vida, virou um caos...
Brasília – Caos??? Você nem tem ideia do que é caos...
Brasil – Isso eu tenho olha a zona desse apartamento, dá vazamento, seca, as plantas não vão para frente, os vizinhos só abusam da nossa generosidade que na verdade é mais para fazer média para ver se conseguimos algo deles, somos vítimas de assalto, a saúde é um assunto no qual nem devemos tocar...
Brasília – A saúde vai muito bem, ninguém tem do que reclamar...
Brasil – Vai dizer isso para minha avó Grécia, vai que tá agonizando por falta de assistência, por falta de cuidado nosso... Fora os outros parentes que estão perto de agonizar sem saúde adequada.
Brasília – Chega, chega Brasil de reclamar...
Brasil – E você para de ser tão auto-suficiente Brasília... (Os dois param, respiram, e começam a andar cada um puxando para sua direção, uma hora Brasília puxa, outra Brasil, ficam por alguns momentos nesse esforço inútil. Até que param no centro de novo.)
Brasil – Melhor a gente trabalhar em conjunto...
Brasília – Como?
Brasil – Vamos tentar ficar de frente um para o outro, vamos virar dentro dessa corda.

Brasília – Isso vai funcionar??
Brasil - Tem outra ideia?
Brasília – Não... Mas tô achando essa ideia meio sem nexo.
Brasil – Sem nexo é você Brasília... Vamos lá, torce o corpo, vamos virar devagar... (Eles começam a virar para ficarem de frente um para o outro. Fazem esforço enorme.)
Brasília – Ai tá arranhando meus braços...
Brasil – É tá vendo como trabalhar com esforço tem que dar o sangue, mas posso te contar que vale a pena... Vamos força Brasília mostra tua firmeza de mulher, e depois eu que sou o mole da história... (Os dois aos poucos vão se virando até que ficam um de frente para o outro.)
Brasília – Tá e agora como ficamos?
Brasil (Pensa um pouco. Olha para o palco as coisas jogadas. De repente todas as luzes se acendem.) – Boa agora com as coisas claras fica mais fácil resolver nossas questões...
Brasília – Que resolver nossas questões, eu quero é me livrar de você...
Brasil (Consegue apertar Brasília para seu corpo. Ela olha assustada, olhos nos olhos, momento de romance, música pode entrar, alguns instantes em expectativa.)
Brasília – A gente vai ficar assim até quando?
Brasil – Não sei... Mas é melhor do que brigar.
Brasília – É fica mais sossegado, nunca tinha notado seu olhos...
Brasil – Românticos?
Brasília – Não parecem estrábicos...
Brasil – Grande e sua cabeça nunca havia reparado o tamanho...
Brasília – Que tamanho, minha cabeça é normal...
Brasil – Normal não é mesmo...
Brasília – E você por acaso é com suas manias, jeitos...
Brasil – E vamos começar de novo...
Brasília – Começar o quê?? Acho que nunca começamos nada... (De repente blecaute novamente.)
Juntos – De novo não...
Brasil – Sua culpa Brasília.
Brasília – Minha culpa? Sua culpa Brasil.
Brasil – Eu não agüento mais você...
Brasília – Eu que não agüento mais você... (Eles começam a discutir, tropeçam um no outro e caem no chão e rolam até caírem do palco.)
Juntos – Socorro !!!! (No chão fora do palco.)
Brasília – Tá vendo onde viemos parar...
Brasil – E você quer que eu faça o quê? Quem começou a andar feito uma louca?
Brasília – Quem ficou desesperado por causa do apagão?
Brasil – Quer saber eu não vou fazer mais nada vou esperar um milagre...
Brasília – Ah é , então também vou esperar uma mágica...
Brasil – Tá bom vamos ver quem ganha essa, ou vem meu milagre primeiro ou vem sua mágica, vamos ver quem tem mais poder...
Brasília – Ah Brasil mágica tem muito mais glamour, riqueza, detalhes...
Brasil – Pois te digo que milagre tem muito mais de mistério, de Deus, dos céus...
Brasília – Mágica!
Brasil – Milagre!
Brasília – Mágica!
Brasil – Milagre! (Os dois ficam em silêncio por alguns instantes. Nada acontece.)
Brasília – Será que esqueceram de nós???
Brasil – Parece que ninguém nos ouve... Será...
Juntos – Que morremos??? (Eles Gritam) – Ahhhhhhhhhhh... Salvem-se quem puder...

FIM




Neste sábado mais uma apresentação de "As Notas" no Templo O.Xala.Ça localizado na Rua Joana Avancine do Prado, 157 em Interlagos, próximo a estação autódromo. Às 21 horas, ingresso 10 reais!!! Uma produção Cia. de Artes Alma Espírito!


"Vídeo Arte" - "As Notas" cena 22 - 2 parte - Isa (Fabiana) em sua dança mortal!!! Agonia, sofrimento, morte que não existe, a verdade da vida...


"Vídeo Arte" - Phantom Planet - "Lonely Day" - Dia Solitário - Às vezes é bom ficarmos um dia só conosco mesmos, outros nem tanto, mas a solidão não é para ser duradoura, é para pequenos momentos...

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